fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/134/reportagem/marcelo_bere.htm
MARCELO BERÉ
Doutor em palhaçada
Conhecido como o palhaço Gorgônio do grupo brasiliense Udi Grudi,
o artista defenderá tese de doutorado sobre a antropologia do palhaço,
baseado em seus 20 anos de circo
O que é que o palhaço tem: “Quero provar que o que ri no ser humano é divino, porque eu acredito que Deus ri”, diz Marcelo, ao lado de Luciano Porto, Luciano Astikos e Márcio Vieira.
Quando um pequeno paciente do hospital Sarah Kubitschek, com sérios problemas neurológicos, tentou segurar a ema de madeira manipulada pelo palhaço Rapadura, que já ia embora, Luciano Porto chorou. Chorou copiosamente ao lado da mãe do menino, que nunca tinha visto seu filho se interessar por nada. Foi em 1993. Luciano, 39 anos, casado e pai de dois filhos, não sabe o nome do menino ou da mãe, mas nunca se esqueceu da cena. “Foi a coisa mais emocionante que vivi”, diz ele. Luciano Astikos, 40 anos, o palhaço Xaxará, também guarda na memória o rosto de 12 ex-meninos de rua que se tornaram artistas por sua causa.
Ele coordenou um projeto para ensinar a arte circense às crianças de rua. Dos 120 meninos, 12 se apresentaram na Eco 92, no Rio de Janeiro. “Eles estão por aí, em circos e teatros espalhados pelo País”, conta. E Marcelo Beré, 41 anos, o palhaço Gorgônio, exibe na estante a medalha Mérito Educacional 94, concedida pelo Governo do Distrito Federal por ter introduzido técnicas de circo aos alunos da rede pública. “Ensinei malabarismo com meditação. O resultado foi incrível”, revela.
Mas afinal, o que é que o palhaço tem? A pergunta também está na cabeça de Marcelo Beré, que por conta da dúvida resolveu defender uma tese de doutorado: a antropologia do palhaço. Mestrado sobre palhaçada ele já fez em Londres. Agora quer discutir o assunto na Universidade de Nova York. “No momento estou estudando os palhaços de Shakespeare”, conta Marcelo, casado e pai de dois filhos. Mas o grosso da tese está baseado na experiência de 20 anos do grupo brasiliense Circo Teatro Udi Grudi ao qual pertencem.
Grupo que influenciou toda uma geração de Brasília. Não há um só jovem à beira da segunda década de vida, da periferia ou não, que não se lembre deles. Pudera. O Udi Grudi começou fazendo graça em festas de aniversário, nas quadras, nas escolas e nos hospitais. Em 1986, conseguiu adquirir a tão sonhada lona. “Saímos fazendo e pesquisando as origens do circo. Descobrimos que no início do século, no Brasil, o espetáculo tinha duas partes: na primeira, tradicional, e na segunda, uma representação dramática”, explica Marcelo.
Foi assim que eles começaram a fazer o circo-teatro, hoje conhecido como o novo circo. “Somos dos primeiros grupos e um dos mais antigos dessa nova tendência”, explicam. Eles cantam, dançam, fazem mímica, palhaçadas e contam histórias. Já contaram muitas, colecionaram prêmios, mas a última montagem mudou a vida desses palhaços candangos. A criação coletiva O Cano, que inclui a participação do palhaço Mació, Márcio Vieira, 42 anos, um especialista em criar instrumentos de sucatas, os jogou literalmente no mundo.
A convite de um produtor, se apresentaram em 2000 no festival de Edimburgo, Inglaterra, e ganharam o prêmio Angel. Resultado: milhares de convites. Passaram oito meses na Europa, rodaram 80 mil quilômetros e se apresentaram em seis países. Em dezembro, fizeram uma apresentação na festa de fim de ano no Palácio da Alvorada, com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora estão novamente de malas prontas. Vão para a Espanha e em agosto para a China. Nessa maratona, Marcelo coleciona mais argumentos para a sua tese. “Quero provar que o que ri no ser humano é divino, porque eu acredito que Deus ri”.