Publicado originalmente em A Gargalhada, nº 02, Maio/Junho de 2006,
p. 02, e revisado em 28/03/2009.
Antes risos que prantos descrever,
Sendo certo que rir é próprio do homem.
François Rabelais
Bérgson no seu tratado sobre o riso, investiga os processos da comicidade, tendo como objeto de estudo a comédia, a farsa e a arte do bufão. O autor deixa claro que o homem é um animal que ri e que faz rir ao apresentar-se como espetáculo ao outro. Portanto, “não há comicidade fora do que é propriamente humano.” Sendo que o processo do riso dar-se pela mecanização.
O riso é cruel e “destina-se à inteligência pura.” Sendo assim, “o maior inimigo do riso é a emoção.” Para se rir, deve haver distanciamento, não pode haver envolvimento emocional. Ao mesmo tempo, o riso necessita de eco, isto é, necessita de grupo, quanto maior a quantidade de pessoas, maior o riso. A comicidade será desencadeada pela insociabilidade (mecanização) do personagem e a insensibilidade do espectador. Estão dadas as condições de produção do riso.Mas, por que rimos? Como se produz o riso? Para Bérgson o risível advém de “certa rigidez mecânica onde deveria haver maleabilidade atenta e a flexibilidade viva de uma pessoa.” Essa rigidez pode manifestar-se através de atitudes, gestos e movimentos ou através de uma falha de caráter, um vício etc., ou seja, “sempre que uma pessoa nos dê a impressão de ser uma coisa,” (o mecânico calcado no vivo), sempre que houver um desvio, haverá comicidade.
“O personagem cômico é um tipo” e os efeitos que levam ao riso são atingidos de diversas maneiras:
a) bola de neve – os acontecimentos vão numa crescente;
b) repetição – um mesmo acontecimento pode ocorrer diversas vezes, seja com o mesmo personagem ou com outros;
c) inversão – consiste em uma armadilha preparada para outro e o próprio autor da armadilha acaba por cair nela;
d) a interferência das séries ou o qüiproquó – “uma situação que apresenta ao mesmo tempo dois sentidos diferentes, um simplesmente possível: o que os atores lhe atribuem, e o outro real: o que o público lhe dá”.
Um texto modelo seria A Farsa do Advogado Pathelin, texto medieval de autor desconhecido, que contém esses quatro elementos e sobre o qual o Buraco d`Oráculo debruçou-se em 2006, adaptando-o para espaços abertos numa montagem que ganhou o título de A Farsa do Bom Enganador.
E para que nos serve o riso? Segundo Bérgson o riso tem uma função, uma significação social, que é castigar os costumes. O riso “obriga-nos a cuidar imediatamente de parecer o que deveríamos ser, o que um dia acabaremos por ser verdadeiramente. O riso tem por função precisamente reprimir as tendências separatistas. O seu papel é corrigir a rigidez convertendo-a em maleabilidade, reajustar cada um a todos, enfim, abrandar as angulosidades”. Sendo assim, “nada desarma como o riso” – por isso mesmo é tão perseguido nos períodos ditatoriais. Por fim, fica claro que é através do riso que nos revelamos e demonstramos quão humano somos.
FONTE E CITAÇÕESBERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.