Entrar no universo do palhaço significa também entrar em contato com um estado infantil de ingenuidade, prontidão, simplicidade e de jogo. A criança nos surpreende a todo instante, o palhaço carrega em si essa energia de ser imprevisível nos surpreender o tempo todo.
O Palhaço simboliza nossa sombra, ou seja, aquilo que não queremos ver, aquilo que tentamos esconder. Em suma: o nosso ridículo.
Há uma contradição entre o Palhaço e o mundo moderno, pois no mundo moderno lutamos com unhas e dentes para obtermos o sucesso e sempre tentamos esconder nosso fracasso. No caso do palhaço, o seu sucesso está no seu próprio fracasso, bem como na revelação de sua fragilidade.
O retiro destina-se a quem se interesse em mergulhar neste universo.
FALANDO UM POUCO MAIS...
Por Ciléia Biaggioli *
Tudo começou com uma percepção: faltavam retiros!
Aos 17anos, fiquei sabendo de um "retiro de Palhaço" a ser coordenado pelo Grupo Lume (de Campinas/SP). Apesar de toda a minha insistência por uma vaga, o grupo argumentou que "seria inviável, pois o retiro trabalhava com a desconstrução e alguém da minha faixa-etária ainda estava se construindo, portanto, não teria o que desconstruir". Em outras palavras: achavam perigoso. Apesar da frustração em não poder fazer aquele retiro, compreendi que, da parte deles, havia um carinho, um cuidado muito grande. O tempo passou e o Lume deixou de fazer retiros... Porém, ao me aprofundar na linguagem do Palhaço, cheguei à compreensão do que eles queriam dizer com "desconstrução".
Tive mestres incríveis, inesquecíveis e surpreendentes! E foi justamente por isso que o desejo de realizar "retiros de palhaços" não me abandonou. Ficava imaginando tudo o que vivia nas aulas, ou seja, a relação com minha criança interior, a criatividade, a prontidão, a ingenuidade, a simplicidade e a generosidade inerente ao Palhaço. Como o ridículo de cada um se amplifica e nos dá prazer! Como o que a gente mais tenta ensconder se torna ainda mais evidente e nos propicia "fazer as pazes" com a gente mesmo! Como o riso transforma! Denuncia, amplia e desvenda nossas ignorâncias e esconderijos!
REFLEXÕES DE UM PALHAÇO RECÉM-NASCIDO...
— Ah, eu sempre escondi isso porque sempre que mostrei me olharam torto... Mas agora agrada! Minha perna torta é aceita! Aliás, ela se tornou o meu melhor "instrumento de trabalho"!!! UÉ! O que eu acreditava ser, em mim, o meu lado mais engraçado é o mais sem-graça? Mas era justamente o meu escudo, ora bolas que eu usava pra me esconder... EUREKA! Então é isso o que eu tenho que mostrar, pipocas! É o que eu tenho de mais verdadeiro em mim... Caramba... o que menos tem "graça" pra mim — meus medos, as minhas angústias, aflições e defeitos — é o que mais toca os outros, que se encantam, que riem! E aí é que vem a "doidêra" maior: compartilhar isso com os outros me dá um baita PRAZER!!!!
Tudo isso é ampliado à luz de um "retiro", entre pessoas que pouco ou mal se conhecem, o que propicia referências que possibilitam uma regressão saudável ao que cada um julga ser o seu "si mesmo".
No decorrer dessa trajetória, fui elaborando este conjunto de vivências, às quais agreguei meus estudos sobre a questão da Alimentação; minhas percepções referentes ao movimento, à massagem, colhidas à época em que pesquisei o Corpo no Estúdio Nova Dança, em S. Paulo. Meu olhar voltou-se, então, a propiciar ao aprendiz sentir que, a cada exercício, se torna mais evidente "quem ele é" e a potencialidade cômica (de prazer, descontração, encantamento, etc.) embutida nessa descoberta...
Foi com esses propósitos que iniciei os retiros. Os depoimentos devolvidos pelos participantes são imensamente agradáveis, fico muito agradecida a todos, principalmente pela oportunidade de, nesta troca, aprimorar o próprio retiro.
A estreita e prolongada convivência, por si só, já revela várias coisas das várias personalidades envolvidas (incluindo a minha). Ao me valer de uma série de exercícios e dinâmicas, essa "pororoca" se intensifica. Por isso, um mergulho desse tipo exige realmente alguma coragem, muita compaixão e cuidado, pois ninguém pode se afogar nem morrer na praia.
O retiro é realmente um lugar para quem tem UMA IMAGEM A ZERAR!
* Coordenadora do Retiro de Palhaços
do Teatro de Rocokóz